O PAPEL DO DENTISTA NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

 

 


A aprovação da Lei Maria da Penha, em outubro de 2006, trouxe à tona à toda a sociedade o tema da violência doméstica. Resultado de diversas pressões sociais internas e externas ao país, tal lei é a primeira, no Brasil, que reúne aspectos civis, processuais e penais de modo a combater a prática de violência realizada por familiares ou por quem tem relações de intimidade às mulheres.

A pandemia de Covid-19 foi um dos fatores que provocaram aumento da violência doméstica contra as mulheres no Brasil em 2020. O país registrou 105.821 denúncias de violência contra a mulher no ano passado.

O cirurgião-dentista é um profissional de saúde fundamental no processo de detecção de casos de violência doméstica – um problema social e alarmante, presente na realidade do país. Entretanto, grande parte desses profissionais desconhece o seu papel legal ou apresenta dificuldade para identificar e notificar os casos.

Então, caso o cirurgião-dentista reconheça indícios de violência doméstica, o que deve fazer?

Diversos estudos realizados com cirurgiões-dentistas revelaram que, a grande maioria deles - apesar de conhecer o conceito, tipos de violência doméstica, além do público mais comumente envolvido -, desconhece seu papel legal e sua importância no processo de notificação dos casos, como também os meios para realização dessa conduta.

Ao tomarem conhecimento durante o atendimento, os dentistas – bem como os demais profissionais de saúde - devem notificar os casos de violência doméstica. O descumprimento desta obrigação, segundo o artigo 66 do Decreto-Lei 3.688, de 1941, é reconhecido como contravenção penal, podendo levá-los a responder legal e eticamente pela omissão.

Ademais, vale salientar que a Lei nº 13.931, de 10 de dezembro de 2019, alterou a Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003, tornando obrigatoriedade para os profissionais de saúde a comunicação à autoridade policial dos casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para as providências cabíveis e para fins estatísticos. O referente substitutivo entrou em vigor recentemente, 90 dias após a sua publicação.

Como efetuar a notificação?

A ferramenta utilizada pelo profissional é a notificação compulsória, produzida pelo Sistema de Informação de agravos de Notificação (SINAN).  A ficha deve ser preenchida após o cirurgião-dentista identificar lesões de natureza física consideradas graves ou gravíssimas e encaminhada para a autoridade competente.

Outrossim, o Código de Ética Odontológica constitui como infração ética o não cumprimento do sigilo, sem justa causa, entre o profissional e paciente. Sem embargo, o referido Código prevê que o sigilo profissional deve ser mantido com exceção das situações nas quais a sua conservação implica diretamente na manutenção de um mal maior à vida ou à integridade do paciente. O cirurgião dentista pode então rompê-lo ao tomar conhecimento de algo que possa prejudicar algum desses direitos.

À medida que a violência doméstica é reconhecida como um problema de saúde pública, aumenta a consciência de que os dentistas têm oportunidade, obrigação legal e ética de identificar e fazer os encaminhamentos apropriados das vítimas

Embora uma parcela dos cirurgiões-dentistas conheça seus deveres legais, assim como a ficha de notificação, muitos podem sentir receio e insegurança em notificar os casos, seja por medo de perderem pacientes ou incerteza do diagnóstico. Não obstante, grande parte dos profissionais da área odontológica ainda não possuem conhecimento ou preparação suficiente para lidar com essa situação. Dessa forma, deve-se ressaltar a importância da participação dos dentistas no processo de identificação das lesões, além dos benefícios que podem ser concedidos à vítima após a interrupção de atitudes e comportamentos violentos, proporcionando o combate à situação de violência.

O profissional da saúde tem o dever ético e legal de notificar, mesmo casos de suspeição; precisam estar preparados para reconhecê-la e tomar as providências necessárias. O respeito à criança, ao adolescente, à mulher e ao idoso. Um grande desafio tanto para muitas vítimas que omitem denúncias por medo do agressor e pelos profissionais que se sentem despreparados tanto por falta de conhecimento legal como no quesito de não querer envolver na intimidade do paciente, no caso a vítima.

Os cirurgiões-dentistas estão em posição privilegiada para observar estes sinais de violência. lesões que não se justificam pelo tipo de acidente relatado e que são incompatíveis merecem atenção.

Lesões como equimoses, lacerações, hematomas, fraturas, queimaduras e mordeduras; lesões em vários estágios de cicatrização ou cura; maus tratos na presença do profissional; percepção de sinais de angústia ou medo excessivos.

Orientações, embasamentos jurídicos e diálogos são partes do processo entre o dentista e a vítima. É importante ressaltar que a violência doméstica pode ser física ou psicológica, o fato é que quando o profissional da saúde perceber algo diferente, que possa ser um alerta, um olhar com empatia é necessário ao próximo e ficar atento aos protocolos do SINAN e encaminhar as autoridades (unidade básicas de saúde, assistente social municipal, delegacias/policia civil, polícia militar, conselho tutelar) 

http://portalsinan.saude.gov.br/images/documentos/Agravos/via/violencia_v5.pdf


 por, Cristiano Trindade

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